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A flanela de cada dia

“Eu gostaria que eles fossem um médico, professor, alguma coisa assim. Que eles façam faculdade e não sejam iguais ao pai”. Essas foram algumas das palavras ditas por seu Aelson Leão, 40, flanelinha há mais de vinte anos em Mossoró. Casado com Maria Luzineide da Silva, 39, pai de Carlos Raimundo da Silva, 17, e Maria Helena da Silva Leão, 14, apesar de considerar o seu trabalho de flanelinha honesto, ele não quer que os filhos sigam o mesmo caminho.

 

Timidamente, sempre com a flanela na mão ou no ombro e o olhar às vezes distante, seu Aelson contou um pouco da sua história. Hoje trabalhando como flanelinha no centro da cidade de Mossoró-RN, mas antes já foi morador de rua e usuário de drogas. “Morar na rua foi uma experiência na vida, a gente passa, mas não quer passar. Um dos maiores desafios é a estadia, você amanhece o dia e não tem onde tomar um banho e chega à noite não tem um canto pra você dormir”, explicou.

 

O flanelinha que perdeu a mãe há 37 anos e o pai há 8, começou a trabalhar por conta própria desde os 12 anos de idade. Em um período da vida acabou entrando no mundo das drogas por influência, mas um tio o levou para Goiás e ele conseguiu se livrar do vício. “Um tio me levou pra Goiás e eu consegui sair desse mundo. Quando voltei pra cá já trouxe dinheiro pra comprar uma casinha e me estabelecer por aqui...Graças a Deus eu não preciso mais disso, mas tenho muita pena de quem usa”, contou Aelson. 

Seu Aelson já trabalhou em vários locais no centro de Mossoró-RN. Atualmente está fixo numa movimentada avenida, trabalha como flanelinha, pastorando e lavando carros. Segundo ele, chega por volta das 9h da manha no seu ponto e retorna para casa às 17h. Consegue ganhar em média 40 reais por dia e sustenta de forma humilde a sua família. “Tiro o meu sustento e da minha família. Pago água, luz, gás, faço uma feirinha”, conta com orgulho.

 

O flanelinha afirma que existe sim o preconceito de muitas pessoas para com quem mora na rua. Ele atribui isso a falta de respeito de alguns moradores e demais pessoas, o que causa uma má fama a todos os que vivem na rua. No entanto, Raimundo Vieira, que sempre frequenta o centro mossoroense, afirma que se relaciona diariamente com flanelinhas e a maioria deles são pais de família e trabalhadores. “Sempre estaciono meu carro aqui pelo centro, a maioria deles me trata bem, claro que um ou outro às vezes não tem tanta educação, mas a maioria dos flanelinhas que vejo parecem ser honestos”, disse o funcionário público.

 

Sem pensar muito, o flanelinha Aelson contou que o seu maior sonho já foi realizado. “Até agora não chegou um sonho bem presente não. O que eu sonhei está se realizando. Meu sonho era casar, ter filhos e ter minha própria casa, sou feliz porque já tenho isso”, detalha timidamente. 

O simples cidadão que estava com a camisa da seleção Brasileira e corpo suado do trabalho, não hesitou quando foi perguntando se tinha orgulho do país. “Me orgulho muito, nós somos Brasileiros, a gente tem que honrar o país. Por mais que ele esteja afogado e não ajude tanto a quem não tem oportunidade”, conclui. 

O trabalho dos flanelinhas divide opiniões, pois não é regulamentado e muitas vezes eles “cobram” para os veículos estacionarem em espaços públicos. A estudante Mayara Medeiros acha errado o que eles fazem, mas entende o trabalho deles. “Acho errado, porém há uma série de fatores que faz com que não só eles, mas camelôs e outros trabalhadores não regulamentados procurem essa fonte de renda”, conclui. A farmacêutica Ana Gabriela também acha errado, porém considera que dos males esse é o menor. “Não acho correto, pois eles acabam sempre nos cobrando por espaço que sabemos que é público, muitas vezes pagamos aos flanelinhas mais de uma vez por dia, mas é melhor que eles achem essa saída para trabalhar, do que resolvam assaltar, furtar ou roubar”, disse.

 

Irregular ou não, as pessoas gostando ou não, os flanelinhas estão em toda parte. Utilizando seu próprio suor e esforço, muitos deles, assim como seu Aelson, consegue tirar desse trabalho o pão de cada dia, com a “flanela de cada dia” sustentando suas famílias honestamente.

 

“Se essa rua fosse minha eu faria centros de apoio. Eu pegava a maioria dessas casas que tem aqui e fazia tipo aquelas casas de apoio para moradores de rua. Faria o que o Estado não faz. Tem muito prédio abandonado e eles não fazem isso. Já passei seis anos no meio da rua e sei as dificuldades, então eu faria isso”. (Aelson Davi Leão, Flanelinha).

André Mesquita

Foto: Isaiana Santos

Foto: Isaiana Santos

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