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"Vem pro Beco!"

Sábado à tarde, caminhando pela travessa José Martins de Vasconcelos, ao lado do Teatro Lauro Monte Filho, ouvi um som ao longe, um som que não é familiar ao que se tem costume ouvir na rua. Segui o “rastro” daquela melodia como um detetive persegue as pistas do que se está procurando, de repente escuto “Vem pro Beco!” E fui.

 

Ainda meio tímida por penetrar aquele lugar tão diferente aos que eu costumo ir, fiquei à margem daquelas pessoas e apenas visualizei o ambiente. À primeira vista, tem-se a impressão de um lugar abandonado, sem vida, marginalizado. Suas paredes riscadas, sujas, um lugar tão estreito, como se só houvesse um modo de entrar e um de sair. Pessoas indo e vindo, cantando, dançando como se não houvesse amanhã – o amanhã é uma incógnita diante daquela eternidade que se vive ali.

 

O convite é tentador quando se percebe que diferentemente de outros lugares, o Beco não tem aquela sensação de aprisionamento, pois o que mais se prega é liberdade. É como “coração de mãe, sempre cabe mais um”. E, pode vir de qualquer jeito, o Beco é acolhedor. “Aqui a gente não tem preconceito, as pessoas se amam, se gostam. Aqui é um lugar para você se sentir livre.” E você se sente.

Como uma fábrica de sentimentos, o Beco dos Artistas nos proporciona a possibilidade de se sentir livre, sem rótulos. Ele cria sentidos, de alguma forma, cada pessoa que frequenta aquele local, se sente representada, seja pela música, poesia, dança, grafite, Depois de já estar familiarizado com o ambiente, as paredes já não parecem mais “riscadas”, “sujas”, pois seus grafites representam um grito de liberdade “Não olhe, enxergue”. Diferentemente do que se vê à primeira vista, o abandono, a sensação de um lugar sem vida, troca de personagem – abandonado mesmo é o primeiro sentimento que vem depois que saímos dali, pois não há outro lugar que acolha tanto a sua expressão quanto aquele beco.

 

O Beco dos Artistas surgiu da reunião de estudantes que foram articuladores nas manifestações sociais, como, por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o Movimento Feminista e o Movimento Pau de Arara, que juntamente com a população, buscaram melhorias para o transporte público em Mossoró, problema que há décadas perdura na capital do Oeste. Chama-se Beco dos Artistas porque fica ao lado do prédio da União dos Artistas de Mossoró, fundada em 1920 e que funcionou até 1985.

 

 

Foto: Danilo Carlos

Geralmente os encontros são feitos mensalmente. O Beco não é só um lugar para diversão, como afirma Adeilson Dantas, estudante do curso de História da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e um dos organizadores do evento. O Beco ajuda a divulgar a cultura não massificada que existe na Cidade de Mossoró. A cada encontro, existe sempre uma intervenção artística em que poetas, cancioneiros, bandas que estão começando a divulgar seus trabalhos, têm seu espaço reservado para divulgação de suas produções.

 

Sempre com um tema a discutir, seja transporte público, descriminalização da polícia militar, o Beco existe como um púlpito em que as pessoas podem expressar sua opinião, debater sobre assuntos que no dia-a-dia não são discutidos com tanta frivolidade. No entanto, algumas pessoas ainda tem certa resistência em aceitar o Beco como ele é, pois, tudo o que é livre de preconceito, sempre vai incomodar, é como se essas pessoas não estivessem prontas para receber esse tipo de manifestação e, por não conhecerem a realidade do local, sempre julgam.

 

 “Poesia! Poesia! Boemia!” É assim que o Beco convida pessoas para recitarem poemas, declamarem o amor rasgado ou o que está sendo construído no peito de cada ser que habita naquele local tão acolhedor. É no grito que se espalha palavras, é no grito que se tenta conquistar liberdade. É no grito e no silêncio daquelas paredes grafitadas, que muita coisa será dita e feita.

Isaiana Santos

Foto: Paula Floriano

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