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Um ambulante Gentil

 

Era noite, por volta das sete horas em ponto. Estávamos em frente ao local onde se encontrava estacionado, do lado esquerdo, um carrinho de confeito, iluminado, cheio de balas e pendurados, os clássicos ioiôs. Do lado direito, cadeiras de plástico para descansar as pernas quando já não aguentavam mais e uma mesa de bar, servindo de apoio para o isopor que continha sobre, quase uma dezena de latinhas de cerveja, refrigerante e água mineral de marcas famosas, como forma de divulgar o que ali estava para ser vendido.

 

Todos os dias, a rotina cansativa é a mesma para o senhor já de idade, que não se desprende de jeito nenhum das lembranças de quando viveu na Grande São Paulo. Quando perguntamos o seu nome, deixou escapar somente o primeiro de batismo e um apelido, pelo qual é conhecido: “Gentil Paulista”. Trabalhador, é o típico brasileiro que sobrevive da coragem para se sustentar, acordando cedo e dormindo tarde. Como fieis escudeiras, a esposa e a fé, que, juntas, mantêm a motivação de um dos vendedores de rua mais populares de Mossoró.

 

Foi numa sexta-feira (14) de junho, mês de festas na cidade e noite de encenação do espetáculo “Chuva de Bala no País de Mossoró”, próximo a Capela de São Vicente, que encontramos Seu Gentil, acompanhado da esposa. Os dois estavam rodeados de outros vendedores, localizados bem no centro daquela rua. Mal sobrava espaço, que mesmo assim, estava sendo usado para o vai e vem dos pedestres. Homem experiente, é “naturalizado” nordestino de alma, nascido na capital paulista e com 67 anos de idade. Vem guerreando mais de 20 deles na terra do sal.

De início, muito envergonhado e fazendo piadas, Seu Gentil se mostrou relutante, pensou, analisou e depois de alguns minutos, que então resolveu dividir um pouco da sua experiência de vida conosco. Simples, de boné para trás e camisa listrada, bermuda, uma cruz no pescoço e no pulso, uma pulseira do Brasil, tomou coragem e quando falou, citou o passado, presente e futuro... Uma história de lutas e superações!

 

Tem não só no nome por definição a simpatia, como pessoa Seu Gentil de fato é. Anos atrás, possuiu um espaço fixo e conseguia trabalhar com mais comodidade, tinha uma clientela na faixa dos 10 a 17 anos, por se tratar de um colégio particular de ensino médio e vendia debaixo de sombra fresca. Se o sol insistisse em perturbá-lo no início ou no finalzinho da tarde, tinha lugar suficiente para posicionar o carrinho e desfrutar de mais proteção. Chegava a maneirar nos preços.

 

Diz sentir falta! Não ter mais aquele espaço e enfrentar o calor que em média beira os 35 graus (característico das regiões do Rio Grande do Norte), diariamente, é angustiante. Mas, enxerga o novo estilo de ocupação com bons olhos. “Fazemos nosso próprio horário”, diz cheio de certeza. A esposa Zenira dos Santos (60) concorda, gosta de fugir da padronização das empresas comerciais de grande porte, dos horários obrigatórios. Ter a autonomia de se programar e jamais enfrentar a burocracia das grandes instituições é uma vantagem e das boas.

Porém, trabalhar à noite tem seus riscos. Os dois já foram alvos de assaltantes em diversos episódios, num destes, até com uma arma já ficaram frente a frente. Casados há mais de trinta anos, juntos já viveram de tudo. Infelizmente, o crescimento anual da violência na cidade é cada vez mais recorrente. Em matéria veiculada no mês de maio, datada do dia 20, do jornal “Gazeta do Oeste”, foram apresentadas estatísticas feitas pela Coordenadoria Estadual de Direitos Humanos, que apontou Mossoró como um dos 15 municípios do RN com maior índice de homicídios, 67 até então. Segundo o Portal “O Câmara”, até o fechamento desta matéria, se configura um total de 105 mortes violentas. Os números de assaltos e envolvimentos com drogas, também chegam a assustar a população. São ruas perigoras.

 

Seu Gentil tem três filhos, dois deles são rapazes, Fabrício Gentil dos Santos (34) e Flávio Gentil dos Santos (30) e uma moça chamada Michelle Gentil dos Santos (32), todos de mesma mãe, sua companheira de décadas. Zenira inclusive, é tão vendedora quanto o marido, desistiu do carrinho individual que possuía por preocupação e começou a acompanhá-lo nas idas e vindas do dia a dia. “Nas dificuldades, sempre estou ao lado dele”, pondera orgulhosa. Os filhos também se preocupam bastante, pedem para os pais voltarem sempre cedo para casa. Descobrimos que um dia de trabalho, quando em festas, costuma durar 14 horas corridas. De se surpreender a disposição do casal.

 

Desde muito cedo o vendedor ambulante teve experiência no comércio, trabalhou em uma firma quando ainda residia em São Paulo. Emocionado, precisou de uma pausa antes de compartilhar com a equipe o real motivo de ter deixado a cidade paulista e vindo morar no nordeste. Não demonstrou arrependimentos e quando resolveu comparar as duas cidades, classificou como “maravilhosa” a vivência em Mossoró. “Um paraíso”, disse convicto. Corajoso e solícito em amparar a irmã, nos cuidados com a mãe doente, se mudou com os três filhos e a esposa. Chegou a enfrentar dificuldades para conseguir emprego que ajudasse os familiares. “O salário oferecido na época era muito pouco”, afirma. Atualmente, ganha em média cerca de R$ 150,00 a R$ 250,00, por festa.

 

O período de festas do mês de junho e as atrações do “Mossoró Cidade Junina”, evento conhecido no país inteiro, produz a oportunidade perfeita para aquecer a economia tanto da cidade, como dos próprios ambulantes. A disputa por um pedaço das ruas mais movimentadas, com uma quantidade incerta de vendedores por ano é enorme. Em junho de 2013, o site da Prefeitura registrou cerca de 250 empreendedores, mas sabe-se que aqueles não oficializados no catálogo da mesma, cresce festa após festa.

 

Seu Gentil é avó, orgulhoso, se diz feliz e gosta do que faz. “É o que eu sei fazer!”, afirma. Patriota, carrega não só no pulso a bandeira do Brasil, que também está estendida no seu ganha-pão, o carrinho de confeito. Não aparenta a idade que tem, lamenta a falta de arborização na cidade, sente falta das sombras, de trabalhar no espaço que mais lhe adotou com agrado. Enquanto nada muda, segue sentindo repulsa ao calor devastador e ambulando pelas ruas da cidade, na esperança de que um dia melhor que o anterior, se concretize.

Alexandre Fonseca

Foto: Paula Floriano

Foto: Isaiana Santos

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